Ensinar a Ler

"O método visual de ensino de leitura é, sem sombra de dúvida, o maior flagelo do sistema de ensino nacional" - J.C.

Precisa-se: uma mudança

Todos os participantes das discussões educativas assumem, implicitamente e erradamente, que os problemas existentes no sistema educativo podem ser resolvidos amanhã, se conseguirmos tomar hoje as medidas correctas e adequadas. Devemos perceber e assumir que estes problemas são na sua grande maioria problemas de fundo, e serão apenas resolvidos a médio e longo prazo, entre 10 e 15 anos. Estes problemas surgiram na consequência de certas decisões tomadas no decurso da reforma educativa de há 20 anos, decisões essas que posteriormente se revelaram altamente prejudiciais para o sistema de ensino. Nesta publicação vamos discutir o assunto mais premente, o dos métodos de ensino de leitura na escola primária.

Avaliação do ensino escolar


Figura 1. Recta – percurso escolar de um aluno médio.

A nossa avaliação do ensino escolar nacional pode ser expressa pelo gráfico apresentado na Figura 1. No eixo vertical temos as competências-chave, e no eixo horizontal – o percurso escolar, do 1º ao 12º ano. De momento não vamos expor as competências todas que consideramos fundamentais, nem as razões de o percurso programado ser desenhado como linha quebrada; vamos realçar uma que é o fundamento para tudo o resto – saber ler, perceber e interpretar um texto escrito, já que estamos a falar de ensino de Português.

O leitor é capaz de ter uma ideia da estrutura do exame de Português do 12º ano – de um total de 200 pontos (20 valores) são dados 80 pontos pela interpretação de um texto escrito. As notas médias dos Exames Nacionais de Português rondam uns 7 valores, o que significa, feito o cálculo pela regra de três simples, que um aluno médio conseguiu adquirir a referida competência-chave apenas a 30%, talvez 60% no máximo, pois não se vislumbra a hipótese de um aluno, excelente nisso, a falhar redondamente em todos os outros aspectos. Note que estamos a falar do 12º ano, enquanto o aluno devia adquidir esta competência-chave ainda na escola primária, e a 100%.

Assim, o percurso do aluno médio no nosso gráfico não atinge ao fim do 12º ano, tão-pouco o nível exigível de um aluno excelente da escola primária. Isto não seria correcto se tivermos no eixo vertical os conhecimentos adquiridos, embora muitos destes se adquirem independentemente da Escola, e fora da mesma. Devemos constatar que entre os alunos que entram no ensino superior também surgem os com falhas gravíssimas nessa mesma competência-chave, saber ler, perceber e interpretar um texto escrito, o que alias não é surpreendente de todo, pois admitem-se nas universidades alunos com uma média abaixo de 10, o que tipicamente implica notas no mínimo satisfatórias em disciplinas menos exigentes, e notas não satisfatórias em Português e Matemática, dois principais obstáculos dos nossos alunos.

Resumindo, a nota que damos ao ensino escolar de Leitura e Português é de "Não Satisfaz".

Ensino de leitura na escola primária

Logicamente, não se consegue perceber ou interpretar sem ter lido. Se o leitor tem alguém na família que estudou na primária recentemente, podia ter visto os livros de leitura do 1º ano. Podia então notar que logo as primeiras páginas estão cheias de texto, embora na escola só se começarem a estudar as letras lá para os meados do ano lectivo. Pois acontece que neste País temos implementado um método visual de ensino de leitura. Este foi promovido por um ilustre educador dos EUA, sendo fundamentalmente diferente do método fonético, pelo qual foram ensinadas todas as pessoas da nossa geração: aprender as letras – construir as sílabas – palavras – frases. O dito educador foi um excelente professor da primária, conseguindo combinar bem a sua invenção de método visual com o método fonético comum, pois os seus alunos muito entusiasmados conseguiam aprender a ler mais rapidamente e melhor. Entretanto, a aplicação concreta das suas ideias no sistema de ensino nacional peca e gravemente de uma absolutização da componente visual, tanto na estrutura dos livros escolares como nos materiais metódicos para o professor.

A consequência real disso é que alguns professores – devem ser uma minoria, esquecendo os materiais metódicos e combatendo a estrutura inadequada dos livros escolares, – ensinam a ler pelo método fonético, e os seus alunos aprendem perfeitamente a ler, sem serem impedidos pelos condicionalismos familiares, tais como os baixos níveis de educação na família. Outros – e devem ser uma grande maioria, julgando pelos resultados – seguem fielmente os métodos propostos, com os resultados completamente desastrosos e mais uma vez não afectáveis pelo ambiente familiar: os seus alunos não aprendem a ler em tempo útil, ficando sem saber ler mesmo nos 3º e 4º anos. Os exemplos pela negativa não nos faltam.

Método visual: de ridículo ao absurdo

A fixação do paradigma moderno do ensino nacional no método visual é no mínimo ridícula. Vejamos. As nações que não têm outro remédio senão o método visual aplicado de modo contínuo e insistente são as orientais, que utilizam na escrita os hieróglifos. Os hieróglifos são desenhos adaptados, cada um dos quais significa uma palavra; muitas noções são entretanto construídas por mais que um hieróglifo, sendo todos os hieróglifos diferentes um do outro. Acontece que um japonês bem formado – escola secundária com boas notas – sabe cerca de mil hieróglifos, enquanto um muito bem formado – curso superior de “Japonês e literatura” – sabe cerca de dois mil. Dividindo 1000 pelos 10 ou 12 anos da escolaridade, temos cerca de 100 hieróglifos por ano, ou então cerca de 2 por semana, o que até não parece assim tanto. Entretanto, um aluno japonês estuda muitas mais horas por dia que um aluno ocidental para atingir o seu sucesso escolar, quase ficando sem tempo para dormir, o que aliás tem um profundo reflexo em toda a maneira de estar da sociedade japonesa – até parece que vivem para trabalhar, e não ao contrário. Não é por acaso que as férias que os japoneses fazem são apenas de uma semana – não querem ficar mais tempo que isso sem trabalhar. Notam-se perfeitamente as consequências do método visual também na cultura japonesa, que fez da caligrafia uma arte à parte, e muito venerada.

Voltaremos ao nosso aluno português que depara com a necessidade de aprender e reconhecer as palavras, do mesmo modo como um japonês – os hieróglifos, ou seja, pela sua aparência visual, sem saber as letras nem sílabas ou qualquer coisa parecida. Depara a nossa vítima com páginas cheias de palavras, sem habilidade para reconhecer nenhuma destas, e muito rapidamente perde qualquer confiança nas suas próprias capacidades, pois todos os dias exigem-lhe que aprenda, e de imediato, a reconhecer mais algumas, a uma velocidade que em muito excede os dois hieróglifos por semana exigidos de um japonês – entretanto, enquanto aquele já sabe que deve estudar arduamente para o conseguir, este nem tem a mínima noção, pois tanto as aulas de Leitura – Português, como todas as outras andam à volta com as brincadeiras, nunca exigindo qualquer trabalho aplicado e sério em nenhuma das disciplinas.

Perdida a auto-confiança e as esperanças de sucesso, o aluno rapidamente desiste e não aprende a ler em tempo útil, com consequências desastrosas para todo o seu percurso escolar, e graves – para o resto da sua vida. Aqueles que apesar de serem ensinados na escola pelo método visual conseguem aprender a ler, provavelmente receberam uma preciosíssima ajuda em casa ou em família pelo método fonético, o qual bem sabemos que funciona, senão teriam ficado como os seus companheiros menos felizes, ou seja muito mal.

As dificuldades maiores na implementação do método visual podem ser percebidas mais facilmente em termos de funcionamento do nosso cérebro, pois a maior parte das pessoas consegue raciocinar bem apoiando-se em noções expressas por palavras. As palavras são constituídas por fonemas, ou sons, as quais o nosso cérebro aprende a reconhecer muito cedo na vida, logo desde os primeiros dias – daqui as dificuldades de perceber as línguas estrangeiras que têm fonemas inexistentes na língua materna, como acontece com os Espanhóis a tentarem perceber o Português. Assim, o método fonético aplica-se no ensino da Leitura com toda a naturalidade, e tem bases muito sólidas para o seu sucesso. Por outro lado, muito poucas pessoas conseguem raciocinar apoiando-se em imagens, apenas os pintores geniais. Cada um conhece as dificuldades com as quais se deparou tentando decorar os sinais de trânsito, embora estes sejam muito menos numerosos que os hieróglifos japoneses, ou as palavras de uma língua ocidental, e são especificamente concebidos para serem facilmente interpretáveis sem serem decorados literalmente – visto o sinal, a pessoa percebe o que ele diz, mas é capaz de ter dificuldades em desenhar um sinal a partir do seu nome.

É bem verdade que as pessoas que conseguem ler muito rapidamente apoiam esta sua capacidade no método visual, pois apanham logo a imagem de uma palavra inteira, sem reconhecer ou ler as suas letras constituintes. Por outro lado, muitas vezes o uso desta técnica provoca erros na leitura, quando a pessoa lê aquilo que não existe no texto; ainda, as pessoas que usam esta técnica bem são relativamente poucas, mesmo entre as que têm uma formação superior, e aprendem-na apenas na idade adulta, quando já sabem ler perfeitamente, tendo inicialmente aprendido pelo método fonético comum.

Mas não se deve complicar a vida de todos por causa de uma dúzia de génios, impingindo o método visual aos alunos da primária.

O diagnóstico final

Os alunos da primária não conseguem aprender a ler em tempo útil, pois são maioritariamente ensinados a ler pelo método visual, o qual não funciona nem é capaz de funcionar, dados os condicionalismos nacionais sócio-culturais, e humanos psicofisiológicos, com os resultados muito bem visíveis no sistema educativo nacional.

As metas

O aluno deve aprender a ler ao fim do 2º ano, ou seja, aos 7-8 anos de idade, correntemente, a 100 palavras por minuto. Exigir o semelhante ao fim do 1º ano seria demais, pois o aluno do 1º ano fica já sobrecarregado com imensas coisas novas que tem de conhecer e aprender. A meta não nos parece difícil de atingir, usando os métodos de ensino correctos, nomeadamente, o nosso favorito e amado método fonético: aprender as letras do alfabeto – construir sílabas – palavras – frases. O primeiro ano pode e deve ser na sua grande parte deixado à integração do aluno na turma, e à aprendizagem de um comportamento disciplinado na aula, e outras coisas socialmente úteis, como regras de segurança na vida, reciclagem de papel para salvar o ambiente, poupar a electricidade e a água na torneira, visitas de estudo aos empregos dos pais para ver como é que as pessoas trabalham, e perceber que é preciso trabalhar para ganhar a vida, estudar os fundamentos da história do País e da nação Portuguesa nisso, o mais cedo é sempre o melhor, mesmo por razões de psicologia infantil.

Pode-se e deve-se ir aprendendo o alfabeto e os algarismos, construindo sílabas e aprendendo somas até 20 – o que não se deve fazer, é tentar que logo no primeiro ano aprendam tudo – um dos erros gravíssimos dos programas existentes, pois o resultado fica exactamente o contrário ao desejado, ficando o aluno em muitos casos desapontado e desincentivado logo desde o primeiro ano da escolaridade. As prioridades do 1º ano da primária, para os alunos com 6 anos de idade, não devem divergir muito das do infantário.

As medidas e os meios

O método visual, pelos danos que já tem provocado e continua a infligir, deve ser oficialmente proibido e excluído dos materiais metódicos, introduzindo aí o método fonético como obrigatório e único. Os livros de Leitura – Português da escola primária devem ser reeditados na forma conveniente para serem usados com o método fonético, e já para o próximo ano lectivo – cada ano perdido é mais uma geração vitimada pelo sistema de ensino.

As medidas nada custarão ao Orçamento do Estado, hoje em dia a primeira coisa a ter em conta, pois o Ministério de Educação mandará editar, e os pais comprarão os livros, como o fazem todos os anos.

Ensino de Inglês: nota à parte

O início de ensino de Inglês na escola primária deve ser adiado até o terceiro ano, para dar ao aluno o tempo de aprender a ler. Caso contrário, o aluno ficará sobrecarregado no segundo ano, e não conseguirá atingir nenhum destes dois objectivos. Entretanto, sem saber ler não se consegue construir um vocabulário satisfatório, o que constitui a base de todo e qualquer conhecimento, pois o vocabulário específico das telenovelas não ultrapassa as duzentas palavras, a comparar com as 100 mil palavras de língua portuguesa.

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